terça-feira, julho 9

O grande dia

Para ler ouvindo: 
Hozier - Take me to church
James Taylor - How sweet it is
Fleetwood Mac - Dreams


                                                ~ . ~ . ~. ~



Acordei mais cansada do que achava que fosse possível. Mal consegui abrir meus olhos devido a luz da manhã me cegar temporariamente.
Estranhei ao procurar pelo corpo dele na cama tão grande e não encontrá-lo. “Quanto tempo faz que não dormimos separados?” pensei.
Por alguns segundos me assustei ao ver o local no qual despertei. Quando me dei conta de onde estava, a ansiedade tomou conta de mim completamente: eu estava no quarto do hotel no qual será realizada minha cerimônia de casamento.
Confesso que depois da descarga de adrenalina, só conseguia me perguntar se alguém recebeu as flores que faltavam, mas para isso existia a maravilhosa Isabella, minha melhor amiga e madrinha. Ela havia me mandado uma mensagem há 10 minutos:

[Isa, às 06:54] Bom dia, noivinha linda! Vamos despertar? Estou providenciando o local certo das flores e passo para te buscar daqui a 15 minutos, ok?

Olhei no relógio e confirmei que ainda faltavam 5 minutos para ela chegar. Cinco preciosos minutos era tudo o que eu precisava. Estava me sentindo exausta nesses últimos dias.
Eu sei que o bendito sonho da cerimônia de casamento era meu, mas não sabia que daria tanto trabalho realizar um sonho assim… Passamos os últimos 8 meses completamente absorvidos neste assunto. Tudo à nossa volta girava em torno de 13 de junho de 2020. Um desgaste financeiro, psicológico, familiar e etílico podemos dizer assim. Tudo passou na minha cabeça como um filme e eu só conseguia estar aliviada por ter chegado este dia.

Isabella entrou no quarto dando batidinhas na porta. Ela, sempre tão delicada, aceitou imediatamente o nosso convite para ser madrinha. É com ela (e toda experiência que possui) que contei todo esse tempo para fazer dar certo o tal do grande dia.

   - Já acordou, bela adormecida?
   - A bela é você, a adormecida sou eu mesma!
   - Acordamos de bom humor, princesa? Toma, trouxe café.

Pulei da cama, agradecendo a minha amiga por ter trazido minha bebida favorita. Os três primeiros goles foram totalmente relaxantes, mas não demorei para lembrar que eu iria precisar resolver muitas coisas antes de me encontrar com Isaac no altar.
Das flores, a Isa tinha cuidado. Precisava então ver as madrinhas, as crianças, o buffet e se o atrapalhado do Rafael tinha trazido o terno do meu marido. Quer dizer, futuro marido.

Ah, quando penso nele… Não no Rafael, claro. No Isaac, meu noivo e daqui a algumas horas o meu marido…

Abri as cortinas do quarto e percebi que o dia estava lindo. O céu estava azul, um tempo maravilhoso para celebrar um casamento na praia durante o dia, justamente como eu queria. Foi inevitável não lembrar do dia em que Isaac e eu nos conhecemos. Esse mesmo céu, essa mesma brisa marítima invadia meus pulmões naquele dia. Como foi mesmo que eu fui parar naquela praia?
Ah sim, lembrei. A minha colega Day e eu viajamos a trabalho para Maceió no outono daquele ano. Combinamos de ir correr na praia, mas ela me deu um belo de um bolo. Eu, me sentindo super independente, fui correr sozinha. Depois do exercício, parei para tomar uma água de coco sentada na areia. Foi ali, naquela praia tão perto de onde estamos agora, que o dono do olhar mais lindo que eu já vi na minha vida apareceu. Fizemos contato visual algumas vezes, ao passo que ele vinha caminhando na minha direção. A minha vida amorosa tinha sido um completo desastre até então, eu não estava nem um pouco afim de flertar com um doido vindo na minha direção naquela hora, mesmo que esse doido fosse realmente bem bonito. Minha prepotência e orgulho deram lugar ao susto e a um gritinho de medo, quando ele me disse que eu estava sentada quase que em cima de um caranguejo que ele queria pegar. Eu dei um pulo. Ele deu uma risada. Pronto. Não precisou de mais nada para eu passar o resto da tarde ajudando Isaac a catar caranguejos na praia enquanto a nossa afinidade se revelou e o destino se encaminhou de resolver o resto da nossa história.

Isa me desperta das minhas lembranças trazendo a Cecília e o Guilherme, seus filhos com Daniel, hoje, meus pajens.

      - Tia, a mamãe não quer me deixar comer bolinhos no café da manhã, mas hoje eu posso tudo, não é? - resmungou manhosa a caçula Cecília pulando no meu colo.
     - Claro, meu amor! Hoje o dia é mais que especial e não quero ninguém triste no meu casamento, certo? - Isabella me olha de cara feia. Faço sinal de “deixa só um pouquinho, vai?” e minha amiga me olha sem se comover.
    - Por que você não chama sua tia para tomar café da manhã com vocês enquanto eu ligo para o cabeleireiro? - disse Isa nos dando uma trégua.
   - O último que chegar na mesa não vai comer bolinhos! - disse Guilherme correndo para fora do quarto.
   - Ei, espere a gente!
   - Esse menino puxou o Daniel todinho, não é, amiga? - retruquei sendo puxada pela caçula às pressas.

Descemos para a área do café da manhã e tive de me certificar umas oito vezes que o Isaac não ia aparecer por ali. O máximo que aconteceu foi eu ter esbarrado com o Rafa, oportunidade perfeita pra perguntar pelo terno, o que ele me jurou que já estava no quarto do noivo - que, por sinal, ainda dormia.
Vi o cabeleireiro chegando na recepção do hotel com toda sua parafernalha. Senti um pequeno arrepio ao longo da coluna. Eu mesma fui recebê-lo e encaminhar a equipe que lhe acompanhava ao espaço destinado a arrumar as crianças e as madrinhas.

   - Nada disso querida, não vou começar pelas crianças ou meu trabalho estará todo perdido na hora da cerimônia. E nós não queremos isso, certo? - Eu apenas balancei a cabeça negativamente.
   - Ótimo! Vamos cuidar das madrinhas primeiro. Cherry, my honey, traga minha maleta até aqui, temos muito trabalho hoje.

Subi pelo elevador pensando em reunir pelo menos cinco das seis madrinhas para adiantar maquiagem, cabelo e tudo que for necessário para que aquele cabeleireiro não viesse atrás de mim por um bom tempo. Quando cheguei no andar, para minha surpresa, encontrei quatro delas rindo no corredor. Todas foram me cumprimentar muito animadas, me fazendo corar. Anunciei que o profissional já as aguardava e no mesmo instante me deixaram para trás disputando para ver quem seria a primeira na transformação da produção.

Escolher as madrinhas e os padrinhos foi muito fácil, na verdade. Pensava nisso enquanto caminhava com as crianças para deixá-las com a Isa. O melhor amigo de Isaac é o Daniel, casado com a Isa e pai de dois filhos, como eu disse. Outros dois grandes amigos, Rafael e Thiago, estão noivos da Paulinha e da Bia, respectivamente. Os amigos de infância, Cristiano e Lucas, estão namorando há séculos. Até aí, temos os casais certinhos para nos apadrinhar. Só o amigo do trabalho do Isaac, Pedro, estava solteiro (e sem a menor previsão para casar, aquele safadinho). Pedimos que ele acompanhasse minha cunhada para que ambos fizessem par. Espero que a Marina se dê bem com ele e não se iluda com a beleza do Pedrinho, por Deus, não quero um problema dessa magnitude logo depois deste casamento.

As crianças estavam bem alimentadas do café e logo correram para a mãe, cheios de animação, pedindo permissão para ir brincar no parquinho. A incrível Isabella já tinha providenciado meu vestido, recebido as flores e ligado para a cerimonialista. Insisti para que ela ficasse um pouco com os filhos no parque enquanto eu me certificava dos detalhes com o DJ e a banda ali perto.

Minha cunhada apareceu para me ajudar e resolvemos tudo muito rápido. Eu estava realmente nervosa, mas todo o meu trabalho nas semanas anteriores estavam dando resultado para que tudo estivesse no jeito certo para hoje.

Repassei com a cerimonialista os casais de padrinhos. Enquanto tomo nota mental de livrar a Marina de bebida alcoólica para que ela não caia na lábia do Pedro, lembramos de como nos conhecemos. Ela disse que sempre imaginou que o Isaac fosse apresentar a futura esposa dele para a família num jantar super formal. Pois é, eu também. Acontece que quando nos envolvemos com uma pessoa da maneira como Isaac e eu nos envolvemos não dava para saber logo de cara que iríamos dividir o resto das nossas vidas juntos.

   - Até hoje é difícil imaginar que iríamos nos conhecer logo naquele hospital, hein? - relembrou aos risos a minha cunhada.
   - Se seus pais não te levam no hospital a tempo, você podia ter morrido, Marina! - respondo séria.

Eu amo a minha profissão. Atualmente sou pediatra, mas conheci a família do meu namorado quando trabalhava na emergência geral da Santa Casa de Misericórdia. Por sorte, pude eu mesma dar os vinte pontos na cabeça de Marina enquanto Isaac explicava aos seus pais que a filha deles estava sendo bem cuidada pela médica que ele pretendia apresentar como sua namorada. Claro que depois veio mesmo um almoço formal para me “introduzir” na família, mas a essa altura, para minha sorte, já tinha sido recebida como uma filha pelos meus sogros.

Está tudo pronto lá fora. O juiz de paz deve chegar em alguns minutos. A cerimônia será apenas no civil, pois Isaac é ateu e eu também não escolhi uma religião exatamente.
Subo para ver se as madrinhas já estão arrumadas. Uma mais linda que a outra. Quero sair dali para não chorar de emoção. Olho o relógio do celular. “Preciso correr, senão o atraso vai ser por conta da noiva”, penso subindo depressa as escadas do hotel. Logo minha pressa foi interrompida. Quase perdi o fôlego quando ouvi a voz do Isaac descendo as escadas.

   - Claro que estou calmo, Dan. Por que estaria nervoso?
   - Porque hoje é o seu casamento? - respondeu um Daniel irônico.
   - Exatamente. Hoje vou formalizar a união com a mulher da minha vida. Sabe a importância disso?
   - Há treze anos sei disso, meu caro amigo, por isso estou te achando calmo demais para alguém na sua posição.
   - Sr. Daniel, só porque eu precisei te forçar a beber dois shots de tequila antes de você entrar na igreja para se casar com a Isa isso não significa que hoje é seu dia de vingança, ok? Acredite em mim, eu sei o que estou fazendo.
   - É mesmo? E o que você está fazendo, senhor “confie em mim”?
   - Estou dizendo sim para minha felicidade ao lado da pessoa mais incrível que eu já conheci em toda a minha vida.

Não consigo evitar as lágrimas nessa hora. É com este homem que eu vou casar? Ah meu deus, não imaginava ele dizendo algo tão amoroso assim… Tento conter as lágrimas enquanto penso num jeito de fugir dali para que eles não me vejam.

- Colocou isso nos seus votos? Ficou bom, hein! - retrucou Daniel.
- Ih, cara, os votos! Volta, precisamos voltar no quarto eu esqueci completamente dos votos!
- O quê? Você está todo apaixonadinho e esquece logo essa parte?
- A Beta pegou no meu pé pelo terno, pelo sapato, até pelo perfume, mas como ela não me cobrou os votos eu simplesmente esqueci!
- Você vai ser um marido imprestável. - Daniel ria sem parar.

Eu não sabia se queria ficar viúva antes de casar e matar o sr. Isaac Bugarim antes da cerimônia ali mesmo ou se estava agradecida pelo seu deslize que me ajudou a chegar no meu quarto sem ser vista por ninguém.
Não consegui evitar ficar pensando no que ele colocaria nos votos. Eu sou muito tímida, preparei poucas frases, todas clichês. Mas ele gostava de escrever - mais do que de falar. Meu noivo não é de demonstrar sentimentos, apenas quando é preciso. Mais um motivo para me deixar ansiosa pelo quê ele iria falar quando chegasse a hora.

   - Cherry, chegou a hora da diva! Vamos, vamos. - disse o cabeleireiro batendo palminhas ao tomar conta do quarto que eu ocupava.

Pedi uma maquiagem discreta e fui atendida. Paulinha disse que era melhor eu escolher uma make mais forte, mas Bia opinou a meu favor. Quando eu entrei no vestido branco, rendado e cheio de brilho, todas que estavam ali se emocionaram.

- Nada de estragar meu trabalho, noiva! Pensa na escalação da Copa de 2006, nas coxas daqueles jogadores maravilhosos que rapidinho essas lágrimas secam, baby! Adriano, Roberto Carlos, Kaká … ai ai… escolhe um aí pra você lembrar antes do “sim”, vai.

Todas caímos na risada dissipando os ares emocionados, mas eu só conseguia pensar em quantos anos tinha esse cabeleireiro para citar a seleção de 2006 com naturalidade desse jeito.

Deve ter sido um desses motivos pelos quais Isaac se apaixonou por mim. Eu sempre pensava porque ele se interessou logo por uma pessoa como eu. Eu tinha essa capacidade de pensar em coisas que podem parecer óbvias para os outros, mas que sempre cabiam numa pergunta. Por um bom tempo, Isaac tentou me responder tudo que sabia, e eu estou certa em afirmar que a inteligência daquele ser humano não tem fim porque, na maioria das vezes, engatávamos uma conversa tão intensa quanto nossos sentimentos um pelo outro.

Olhei-me no espelho uma última vez. Era isso. Tudo que eu sonhei estava ali diante dos meus olhos e a menos de 100 metros numa praia paradisíaca de Alagoas. Todo esforço pela cerimônia, todo aperto econômico que fizemos… Toda minha paixão, todo meu amor por aquela pessoa, sobre como eu sou melhor ao lado dele… Tudo estava simbolizado ali, naquela fração de segundos.

Respirei fundo. Virei-me para a porta. Saí daquele quarto pronta para receber no matrimônio o amor da minha vida.

Isaac Bugarim, serei sua para sempre.



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