quarta-feira, novembro 19

Lost into the woods

Seus passinhos ligeiros não permitiam que lhe acompanhassem.
Porque se tem uma coisa que ela faz é caminhar.
Ela não para. Jamais.
Nem de caminhar, nem de pensar.
Eu mesma, até hoje, não sei distinguir quando ela estava pensando ou caminhando.

Tão frágil e tão forte. Atrai olhares, carinhos e cuidados. Arranca sorrisos e exala café. Mas repele a reciprocidade. Menos o café, esse é recíproco, sempre com sabor e aroma forte. Tal qual sua personalidade.

Minha imaginação, portanto, me permitiu saber de onde ela vinha.
Eu não sei seu nome. Tudo que eu sei é que ela veio de um lugar distante cheio de castelos, ouro, festas, suserania e vassalagem. Ora pois, uma princesa então!
Por algum motivo ela não estava em seu castelo, rodeada de servos, nem dando festas para a nobreza.
Ainda acho que são pelos seus passinhos ligeiros. Mas nunca saberemos a verdade.

Eu apenas observava aquela princesa caminhando. Ela parecia caminhar sem rumo. Ela, com certeza, caminhava sem medo. Ela já se distanciava da cidade e eu quase não conseguia mais vê-la. Seus passinhos ligeiros não permitiam que lhe acompanhassem.

Minha curiosidade, no entanto, me permitiu saber para onde ela ia.
Ela caminhava em direção ao parque. Isso mesmo, naquela parte toda arborizada e fechada. Nessa parte onde ninguém entende como vai parar ali, e sabe muito bem que não é pra voltar lá.

Linda princesa exalava um cheiro de café e permitiu que eu seguisse seu rastro. Queria tanto saber aonde ela ia... Mas ela não parava de caminhar. Ela não para. Nem de caminhar, nem de pensar. E, a essa altura, nem eu! Eu estava completamente perdido, mas ela sabia bem para onde estava indo.

Ela parecia contente. Tinha roupas lindas e um sorriso devidamente pintado com batom. Não consegui olhar para os seus olhos. Não quando eu tive a chance. Fiquei distraído com o medo de a floresta nos engolir ali mesmo. O medo me paralisou. Mas ela não tinha medo. Ela continuava a caminhar. E quando percebeu minha distração, sorriu baixinho e correu. A danadinha me fez correr atrás dela só pra saber onde isso tudo ia dar. Eu não estava cansado, mas estava ansioso, como sempre.

Corremos. Ou melhor, eu corri. Ela saltitava e me provocava quando sumia de minha vista. Mas que gênio! Não me disse nem seu nome, nem deu tempo de eu segurar sua mão...
Somente quando o cenário todo estava demasiadamente fora de esquadro eu percebi que havia chegado ao lugar certo.

Ali eu vi uma linda princesa tão frágil e tão forte. Brincando com suas palavras, sua lira e seus amigos imaginários. Então era ali seu castelo? Quase consegui ver a realeza se curvando àquela princesa de personalidade forte.

Todos sorrimos diante da linda festa que estava acontecendo.
E então a princesa me deu outra chance de olhar em seus olhos.

Mas eu corri.
Corri com todas as minhas forças e com todo meu medo. Corri com meu jeito desajeitado. Corri com lágrimas nos olhos.
Quando não consegui mais correr, eu caí. 
E tudo virou cinzas outra vez...



Eu já contei essa história várias vezes. O que você ainda não sabe é que eu sou um bom observador. E, antes de correr daquela floresta, eu vi, numa fração de segundos, os olhos daquela princesa.
Ela é realmente grandiosa. Atraiu meu olhar, carinho e cuidado. Eu vi aquela garotinha que caminhava sem destino certo reinar sobre todo e qualquer lugar em que ela pisa. Eu vi aquela princesa usar e abusar da fantasia. Eu a vi sorrir e cantarolar. Eu a vi dominar graciosamente tudo que estava ao seu redor. E eu só queria observar. Mal sabia eu que era a princesa quem estava me observando. Era ela quem tinha me escolhido para chegar até ali. E quando eu me dei conta disso, tudo virou cinzas outra vez...

Até hoje eu volto naquela floresta em uma vã tentativa de reencontrar aquele momento. Mas tudo que eu tenho é apenas o cheiro de café que a princesa deixa no ar...

*
Em tempo: esse texto foi escrito há muito tempo e estava aqui guardado para uma pessoa em especial. Hoje me pareceu um bom dia para publicá-lo, embora eu não saiba dizer se a pessoa vai reconhecer do que se trata. O tom pueril foi intencional.

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