quinta-feira, agosto 25

Madrugada a dois

A madrugada vem sorrateira outra vez.
E, com ela, o desejo de vê-lo outra vez.
Em outros tempos, pra mim, a madrugada era o lugar do perigo, da adrenalina, de respirar aquele ar frio combustível de pensamentos completamente insanos e perfeitos, que nunca serão ditos em voz alta durante o dia.
Em tempos ainda mais remotos, a madrugada era simplesmente o lugar de descanso, de repouso, de paz, de dormir. Como diria Nêisinha, Deus criou a noite pros seus filhos dormirem: Ele apaga a luz, a gente ora e fecha os olhos. E dorme.
Mas como eu poderia fazer isso?
Nos tempos de agora a madrugada é tudo isso junto e muito mais. Fecho os olhos, respiro o ar frio. Abro os olhos, vejo as estrelas lá no céu. O céu não está apagado, pelo contrário. Tem uma lua bem cheia, enorme, iluminando meus pensamentos.
Quase todos eles são sobre lembranças...
Lembranças de madrugadas sorrateiras como a de hoje. Momentos em que a artimanha de viver é mero prazer. Liberdade. Desejo.
Por que ele não chega logo?
Ah! Finalmente! Ouvi o barulho da porta do banheiro se abrindo. Posso dar uma última espreguiçada? Dá tempo?
Pulo e me jogo na cama de qualquer jeito. O lençol é minha testemunha de que estou sonolenta, mas denuncia minha vontade de ficar acordada e satisfazer esse frio (na barriga).
Ele nem me nota.
Passa por mim com o hálito de pasta de dente, fragrância de desodorante, cabelo lavado com xampu de aloe e vera e roupa impregnada de amaciante. A madrugada é assim, safada, aguça meu olfato e tudo que consigo sentir é um cheiro de homem se aproximando de mim.
Ele fecha a janela. Acabou minha lua cheia, queimaram todas as estrelas. Só sobramos eu e o lençol. E os pensamentos torpes que não me deixam dormir.
Ele passa por mim de novo. Lança um olhar meio de lado, desenganando minha perfeição, esboça um sorriso como quem diz "eu sei que você tá lutando contra o sono. Venho já te fazer dormir".
Com toda a autoridade que me é dada por esse sorriso, eu me aninho na cama, ergo uma sobrancelha, os olhos quase se fechando e o perigo chegando. Dessa vez eu consigo!
Sigo cada movimento dele com o olho esquerdo, o da visão boa.
Ele digita alguma coisa no teclado do celular. Acho que programou o despertador pra sete e meia. Droga. Xingo mentalmente o compromisso das oito e quarenta e cinco enquanto ele aperta o atualizar de alguma rede social.
O clique no botão de travar o aparelho me desperta da minha indignação mesquinha.
Não consigo evitar um sorriso no canto da boca. Dou conta de inspirar pela última vez. Hoje eu consigo!
A madrugada é assim, sórdida, aguça minha audição. Sei que ele está passando a mão pelo corpo cheiroso. Reviro os olhos, me cubro com meu cúmplice e aguardo meus sentidos apontarem a hora certa do encontro dos pensamentos insanos com o momento perfeito.
Ele, de costas pra cama, se despe. A bermuda cai no chão e revela tudo que eu queria ver. Consegui. Tenho exatamente um segundo até ele apagar a luz do quarto. Ele é cruel e sabe disso. Ele desliga tudo.
Acabou minha luz, queimaram todas as lâmpadas. Só sobramos eu e ele. E a lembrança devassa que vai me fazer dormir.
Quando a madrugada vem sorrateira, não resisto. Entrego-me livre aos meus desejos. Ele demora a me satisfazer, já que eu não sei esperar.
Ele se deita, me oferece seu colo gentil. Meu tato, safado, percorre tudo que acabei de ver. Tá tudo ali. É tudo nosso. Ele espirra. E funga. E eu finjo que não percebi, até ele se acomodar de novo.
- Vamos dormir?
- Aham.
- Tá com sono?
- Tô.
- Lembrei de apagar a luz depois. Eu sei que você gosta.
- Hã? Não faço ideia do que você esteja falando. Boa noite.
- (risos) Boa noite, amor.

Madrugada safada. Sorrateira e safada.



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